Em apenas duas últimas semanas o Centro de Triagem de Animais (CETAS) Chico Mendes, em Salvador, recebeu quase a metade do total de animais que deu entrada no órgão em 2012. Foram 1472, contra 2000 mil do ano passado. “Só em 2007 recebemos tantos animais de uma só vez”, lembra o biólogo e coordenador do órgão, Josiano Cordeiro Torezani. Naquela ocasião foram três mil animais. Em momentos como estes, a equipe do centro se multiplica para dar conta da demanda. Os animais foram salvos do tráfico que comercializa bichos ilegalmente. São apenas três analistas ambientais (dois biólogos e uma médica veterinária), que contam com o apoio de dois tratadores. “Trabalhamos até durante o Dia do Trabalhador. Somos como médicos, é um serviço essencial. Se os animais precisam, estaremos aqui; eles não podem esperar”, ressalta Torezani.
Ele acrescenta ainda que a maior dificuldade em ter uma equipe reduzida para atender à demanda como a dos últimos dias não é tratar os animais, mas manter os trabalhos burocráticos em dia. “Nos revezamos em diferentes tarefas, mas acredito que o essencial que é cuidar e dar destinação para os animais, conseguimos fazer satisfatoriamente”. As dificuldades encontradas pela equipe são suplantadas pelo amor que cada membro demonstra pelos animais. A médica veterinária Fernanda de Azevedo Libório, por exemplo, não esconde sua paixão pelo que faz. “Vivo meu trabalho o tempo todo, às vezes tenho que me controlar, porque senão até minha casa vira uma espécie de Cetas”, diz, ao passo que faz carinho em um papagaio idoso e cheio de marcas de maus- tratos e conta que em sua casa ela tem 13 gatos e um cachorro. “Todos encontrados na rua”, frisa.
Para a veterinária, uma equipe ideal, compatível com a demanda que o centro tem, deveria contar com mais dois tratadores e mais dois analistas ambientais. “Assim poderíamos trabalhar em regime de plantão e não sacrificar ninguém”, disse. A boa notícia é que o IBAMA está contratando um analista ambiental que se unirá à equipe em breve. “Com isso, poderemos dar conta dos trabalhos mais burocráticos, deficiência que nos tem proibido de manter um campo de dados mais apurado sobre o que o centro vem fazendo nos últimos anos”, celebra.
Outras dificuldades enfrentadas pela equipe é a falta de alguns materiais como anilhas para identificar os animais. Segundo Torezani já faz alguns anos que as anilhas são uma deficiência, o que impede de se fazer um acompanhamento mais aprofundado dos animais que são devolvidos à natureza. “Quando fazemos a soltura, ficamos dois dias no local para acompanhar o processo, mas sem as anilhas, se voltarmos no mesmo lugar meses depois não saberemos qual foi o real resultado da adaptação”, explica.
Apreensão
A apreensão de quase 1500 animais foi resultado do combate ao tráfico realizado pelo IBAMA, em parceria com diversos órgãos, entre eles a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Com a chegada dos animais apreendidos, a capacidade do centro quase chegou ao limite, que é de 2500 animais. “Em breve estaremos com muito menos, já que boa parte será devolvida à natureza na próxima semana”, informa Torezani.
Quase todos os animais a serem soltos são parte dos lotes apreendidos recentemente. A maioria deles é formada de pássaros de diversas espécies, entre elas, cardeais, pintassilgos e pombas de asa branca, mas há também jabutis e macacos pregos. “Acreditamos que pelo menos 1300 deles terão condição de serem soltos”, informa. Continuarão no Cetas aqueles que ainda se encontram sem condições físicas de ganhar a liberdade.
E pela situação em que chegaram ao centro, pouco mais de duas semanas atrás, o número de animais em condição de retornar a natureza é surpreendentemente alto. Os pássaros, por exemplos, foram encontrados em gaiolas apertadas, que, no máximo, cabem 30 deles, mas os traficantes chegam a colocar entre 60 e 80. “Chegam estressados e muito debilitados. Alguns pássaros são apenas pena e osso”, relata. Apesar de todo cuidado oferecido pela reduzida equipe do centro, uma parte dos animais não resistem aos maus-tratos dos traficantes. Segundo Torezani, a mortandade entre os animais que chegam ao centro é de 5%. “Considero que não seja alta. O fato é que tem situações que não se pode fazer muita coisa. O que pode ser feito por eles, fazemos”.
Identificação e soltura
Os quase 1500 animais que chegaram ao centro passaram por diferentes etapas até se encontrarem aptos a serem soltos novamente. O primeiro processo é o de identificação, que é seguido pelo atendimento médico, quando recebem vitaminas e são vermifugados. Depois seguem para gaiolas que são colocadas em viveiros para os animais se acostumarem com os outros que já se encontravam ali. Em seguida passam a viver soltos nos viveiros, onde podem exercitar o voo (no caso dos pássaros) e se prepararem para voltar à natureza.
Para a soltura, o Cetas conta com duas áreas na Caatinga e mais duas no Litoral Norte. A área na qual os animais apreendidos recentemente serão libertados fica a 300 km de Salvador. “Preferimos não dizer onde é por motivos de segurança dos próprios animais”, explica Torezani. Ele acrescenta ainda que o IBAMA está cadastrando mais cinco áreas no estado que estarão disponíveis para este trabalho em breve.
Áreas destinadas a receber os animais apreendidos, segundo o coordenador do centro, têm que atender alguns pré-requisitos. Além de serem áreas de mata, devem ter uma vizinhança capaz de auxiliar na segurança dos animais. Para tanto, o Cetas faz um trabalho de educação ambiental nessas regiões. “Conversamos com donos de fazendas e todos os moradores da região, além de fazermos trabalhos em escolas. Nessas áreas onde soltamos os animais, toda a comunidade está engajada. Além de não caçarem, os moradores expulsam caçadores ou avisam à polícia ambiental sobre qualquer suspeito”, disse.
Muitos dos animais que se encontram hoje no Cetas não voltarão para a natureza. Alguns por terem sido criados em cativeiro e, por isso, não terem condição de readaptação. “Temos, por exemplo, uma raposa que foi criada como um cachorro, mas com o tempo os donos entenderam que se tratava de um animal selvagem com extintos de sobrevivência e acabaram desistindo. Esta raposa está há seis anos aqui conosco”, conta a veterinária Fernanda Azevedo. Outros animais estão nessa situação por serem de espécies hibridas. “Os criadores misturam as espécies e o resultado são animais que não encontrarão pares na natureza, podendo ser facilmente rejeitados. É o caso de alguns macacos que temos aqui, os quais não conseguimos lhes dar uma identificação”, explica.
Entre aqueles que não são soltos, muitos têm como destino ou um zoológico ou criadores autorizados. “Não é o ideal, mas ao menos eles terão uma chance de sobrevivência, pois são animais já ‘humanizados’, sem condições de voltar à natureza”, argumenta a veterinária. Para ela, o zoológico apresenta a vantagem de usá-los como meio de educar as pessoas, através de placas informativas e dos estagiários que passam as informações para os visitantes. Em relação aos criadores, Torezani desmente a ideia equivocada que se tem de que o Cetas entrega animais para criadores para serem comercializados por eles. “Isso não é verdade, o que fazemos é doar animais para serem criados por pessoas capacitadas, que podem, por sua vez, comercializar, legalmente, as crias dos animais doados”.
Comércio ilegal
Pelo número de animais que chegam ao Cetas, não é difícil concluir que o tráfico de animais silvestres continua forte. Segundo Torenzine, apesar de todos os esforços dos órgãos competentes, o comércio ilegal continua intenso. “De acordo com a Rede nacional de Combate ao Tráfico de Animais, este tipo de negócio só perde para o tráfico de armas e drogas, mundo afora”, conta. Em Salvador, por exemplo, o coordenador do Cetas acredita que mais de 70% dos animais são de vendidos de forma ilegal. “Apesar da fiscalização, é muito fácil encontrá-los em feiras livres ou em comércio de fundo de quintal”. Ele informa ainda que os animais que são vendidos de maneira legal vêm com anilhas de identificação, micro chips e nota fiscal.
Fonte: Tribuna da Bahia