A sua sorte, leitor, é que por mais repugnantes que sejam as
fotos não têm cheiro. E nem transmitem doenças. Porque para quem frequenta a
praia da Barra - entre eles os muitos turistas que vão levar para fora sua
opinião da cidade - é rotina se deparar
com essa água imunda que emporcalha as areias sempre depois que chove no
bairro.
Ontem de manhã choveu. E, em dez minutos, por volta das 9h,
uma forte corrente de água suja começou a jorrar de um cano, diretamente na
areia. Rapidamente, uma poça negra, de cerca de 100 metros de comprimento por
10 de largura, se formou na areia.
“Parece até uma guerra. Agora, aqui não é Praia do Farol da
Barra, é a praia dos esgotos”, afirma Manoel Ramos, 43, morador de Tancredo
Neves, que frequenta a praia a cada 15 dias. Ele conta que já viu os banhistas
correrem, fugindo das águas escuras. “No meu tempo de menino isso era uma
maravilha”, lembra.
Além de revolta dos banhistas, a imensa mancha prejudica
barraqueiros. De acordo com eles, a água é, na verdade, esgoto despejado por um
hotel da orla. “Nós já reclamamos com eles, com a prefeitura e não fizeram
nada”, conta a barraqueira Jaqueline dos Santos, que trabalha há 8 anos na
praia.
Enquanto a água negra ia tomando a areia, os barraqueiros
iam cavando, numa tentativa de disfarçar a sujeira. Para salvar as caixas de
isopor e as cadeiras, eles tinham que botar o pé na lama. Em alguns pontos, o
nível da água chegava perto do joelho.
Para não perder todo o dia, os vendedores organizaram
uma operação para limpar a praia. Depois
de cavar trilhas para escorrer as águas represadas, jogavam areia sobre a área
inundada.
“Agora qual o banhista que vai vir aqui? Qual o turista? A
gente paga tudo (os impostos para trabalhar na área) certinho e é isso que
acontece. Ninguém faz nada”, reclamou Jaqueline. “Minha unha está toda comida
de micose”, acrescentou, mostrando o pé.
Explicações
A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) informou que
não existe nenhum ponto de lançamento de esgoto nas praias da Barra, e que todo
o esgoto é encaminhado para o emissário submarino do Rio Vermelho. Por meio da
assessoria, a empresa informou que a água negra vem, na verdade, da
desembocadura de um canal de captação de água da chuva.
Ao cair, a chuva limpa as ruas, e o resultado de toda essa
limpeza é captado pelos bueiros – quando não estão entupidos – e canalizado
para as áreas mais baixas de uma região. No caso da Barra, as praias. Assim,
quanto mais sujas estiverem as ruas, maior o estrago. A responsabilidade por
essa rede de escoamento, segundo a Embasa, é da Superintendência de Conservação
e Obras Públicas do Salvador (Sucop).
A Embasa informou ainda que vai enviar técnicos à região
para verificar se há alguma ligação clandestina
de esgoto conectada ao cano.
Lixo
Á água suja que apareceu na praia ontem de manhã soma-se ao
monte de lixo acumulado, flagrado pela equipe do CORREIO: cocos, latas de
cerveja e copos descartáveis e até fraldas e camisinhas tomavam sol
tranquilamente à beira-mar.
Uma situação “deprimente demais”, segundo a tenente do
Exército Juliana Dummel, que é gaúcha, mas mora na cidade há quatro anos. Como
muitos, ela mostrou-se chocada ontem. “É o retrato do caos. Desde ontem estou
vindo aqui fiscalizar para ver se a prefeitura recolheu o lixo. A vontade que
tenho é de catar tudo. Vou fazer um vídeo e uma campanha na internet”,
prometeu.
Segundo a diretora de operações da Limpurb, Ângela Maria
Pereira, a limpeza das praias do Porto e do Farol é feita todas as noites, por
uma equipe de 20 funcionários. Além disso, foram colocadas 15 lixeiras na
areia, mas que segundo ela foram retiradas por vândalos.
Em todo o bairro, a coleta domiciliar é em dias alternados
(segundas, quartas e sextas) e em bares e restaurantes a coleta é diária. No
entanto, a diretora reforça a necessidade da população colaborar, não jogando
lixo nas ruas, nem deixando os sacos muito antes do momento da coleta.
Consciência
Chovia quando o CORREIO conversava com a tenente Juliana. “O
céu deve estar chorando de vergonha. É um povo ingrato que recebeu um presente
de Deus”, analisou, numa crítica às pessoas que não recolhem da praia o próprio
lixo que produzem.
Muitos criticam também a atuação dos barraqueiros. “No fim
do dia, eles não recolhem o lixo”, afirmou um banhista, que não se identificou. O vendedor Rogério Lima, 36,
assume a contribuição dos colegas. “A prefeitura tem que recolher, mas se todo
mundo fizesse sua parte...”.
Turistas reclamam da
situação da praia
A mancha escura que tomou as areias da praia do Farol
espantou muitos turistas, que, ao ver a cena, da calçada, se retiravam do
local. Já de saída, uma delas exclamou: “Uma praia com criança e tudo. Isso é
um absurdo, eu vou embora”. Alguns deles, no entanto, permaneceram na praia
mesmo assim. Isso não quer dizer, porém, que o clima era de satisfação.
“É triste. Você perde espaço pra sentar, tem que ficar
driblando o lixo. Um ponto turístico nessa situação é uma péssima imagem para o
estado”, avalia o estudante Leônidas de Souza, 23, de Feira de Santana, a 108
quilômetros de Salvador. A praia do Farol está próxima à praia do Porto da
Barra, eleita em outubro do ano passado, pela rede de TV americana CNN, como
uma das 50 melhores praias do mundo.
“Uma praia com criança e tudo. Isso é um absurdo"
Fonte: Correio 24 horas