No momento, nos é vendida a ideia de que uma
Salvador melhor, uma cidade do futuro, com infraestrutura eficiente e adequada
está por ser construída, num curtíssimo espaço de tempo, visando o atendimento
aos requisitos exigidos às cidades-sedes dos jogos da Copa do Mundo de Futebol
de 2014.
Porém, essa estratégia falaciosa não pode sanar o
caos urbano instalado em nossa cidade, fruto de um déficit já histórico de
planejamento e de investimentos em questões-chaves ao desenvolvimento urbano,
e, ao qual se somam a pobreza e a marginalidade de imensa parcela dos
soteropolitanos.
Salvador teve um período de planejamento, no qual
as avenidas de fundo de vale foram concebidas, visando estruturar o sistema de
deslocamento da população. Estas são ainda hoje as principais vias nas quais
escoam (lentamente) carros, ônibus, caminhões e, atualmente, uma grande
quantidade de motocicletas e bem poucas bicicletas.
Tais avenidas, assim como outros aspectos do tipo
de crescimento urbano adotado em Salvador, causaram impactos ao escoamento dos
rios, que outrora proporcionaram não só a fundação da cidade, como nela
desempenhavam inúmeras funções urbanas.
Atualmente, os rios, constrangidos em suas
larguras de cheia, têm ainda que dar conta de enormes volumes de águas que não
tem mais como penetrar nos solos em função do rápido desaparecimento das áreas
livres, especialmente as áreas verdes. E esses volumes, cada vez mais, incluem
esgotos, sedimentos e lixo. Dessas relações, entre os nossos rios e a ocupação
intensa e inadequada dos solos da cidade os problemas emergem: alagamentos,
poluição, riscos de diversas ordens, incluindo à saúde pública, dentre outros.
Grandes cidades mundo a fora, incluindo algumas
brasileiras, hoje buscam reverter o caos resultante dessa má conduta,
insustentável sob o ponto de vista ambiental, social e econômico. Soluções
ambientalmente mais corretas passam por
gerenciar integradamente a infraestrutura urbana, iniciando-se pela definição
da ocupação do espaço com preservação de funções naturais como a infiltração e
a rede natural de escoamento (os rios!), e a redução e controle das fontes de
poluição.
Como alguns exemplos, nos EUA este tipo de
desenvolvimento tem sido adotado e denominado Low Impact Development, ou Desenvolvimento de Baixo Impacto. Na
Austrália tem sido denominado Water
Sensitive Urban Design, algo como, Desenho Urbano Associado à Água. Na
Europa um projeto denominado SWITCH (Sustainable
Water Management in Cities of the Future) reflete essa tendência de mudança
de rumo no trato das águas no meio urbano.
A remoção de represas obsoletas, a retirada do
revestimento do fundo e das margens dos rios canalizados, o reordenamento das
faixas laterais aos rios, com o replantio de vegetação para a criação de
espaços livres para lazer, mas também para que o rio encha ocasionalmente, têm
sido algumas das iniciativas visando a ‘renaturalização’ de áreas das cidades.
Essas ações visam a melhoria da qualidade
paisagística e ambiental urbana, a restauração da função social dos rios e a
melhoria da drenagem de águas das chuvas, além de outros benefícios.
Têm sido emblemáticas as iniciativas para
despoluição e reintegração às cidades dos rios Tâmisa à Londres, Sena à Paris, Cheonggyecheon à Seul, dentre outros, e no Brasil os casos dos rios
das Velhas à Belo Horizonte, rio Barigui à Curitiba, além de ações iniciais
para melhoria do Tietê em
São Paulo.
Salvador tem caminhado na contramão dessa
tendência. Sob a égide da ganância imobiliária tem-se avançado desenfreadamente
sobre áreas remanescentes de vegetação, aterrado lagoas e cursos d’água, na
pressa em aproveitar o momento econômico de uma população de classe média que
se endivida avidamente, e sem os limites de um efetivo e consequente ordenamento
e controle do uso do solo urbano por parte do Poder Público.
Nesse contexto insustentável, a cobertura de rios
em Salvador se tornou regra. Parece ser a única solução existente para esgotos
nas águas, para os problemas de captação e destino dos esgotos e dos resíduos
sólidos (lixo), e finalmente para o caso da presença de odores e de mosquitos.
Esconder esses problemas sob tampões de concreto é a forma mais simples
encontrada pela Administração Municipal, subsidiada por gordos recursos públicos
federais (Ministério da Integração) e com a conivência da maioria dos membros do
Conselho Municipal de Meio Ambiente.
A cobertura do Rio dos Seixos, na Avenida
Centenário, foi o início dessa nova fase da tecnologia anacrônica adotada em
Salvador, a um custo de quase 30 milhões de reais. A seguir, no Imbuí, a um
custo de 57 milhões de reais, um parque linear árido e cheio de edificações
surge, não ao longo do rio, como vem ocorrendo em tantos lugares, mas sobre o
rio das Pedras. Intervenções como essa denunciam a forma fragmentada e pontual
de atuar sobre os rios, que, paradoxalmente, como corredores de água e matéria
orgânica, são verdadeiros símbolos de continuidade e interdependência entre os
seus diversos segmentos e trechos.
Neste momento, obras avançam para esconder o
trecho do Rio Lucaia, confinado entre as pistas da Avenida Vasco da Gama (fotos),
a um custo previsto de 49,84 milhões de reais! E outras obras similares estão
anunciadas, enterrando nossos rios, e ‘rios’ de dinheiro público. Ressalte-se
que no linguajar dos atuais administradores do Município, não temos ‘rios’, mas
apenas ‘canais de esgoto’. Uma enorme miopia!
A falta de investimentos em infraestrutura viária,
a entrega do solo urbano ao capital imobiliário, que não distingue elementos
importantes da paisagem, tem gerado também enormes déficits no sistema de
mobilidade e de espaços públicos em Salvador. Assim , esses aspectos da cidade,
fundamentais para a qualidade de vida urbana, e que deveriam ser prioritários
no processo de desenvolvimento urbano, servem agora também como argumentos para
a destruição dos rios.
Por fim, é importante ressaltar, que alternativas
técnicas para os problemas da cidade existem. A ‘solução única’ imposta pelos
atuais administradores públicos segue uma lógica cega, de interesses econômicos
(e políticos) e nega a participação social e a ação para um futuro mais
responsável e com qualidade ambiental para Salvador. Temos a certeza que não há
uma única solução para nossos problemas, e que estas também podem ser mais
sustentáveis e inteligentes, e principalmente, fruto de discussões e
aprofundamentos.
Salvador, 24 de outubro
de 2011
Andrea Sousa
Fontes (Profa. Dra. do CETEC/UFRB)
Angela Lühning
(Prof. Titular da UFBA e Diretora da Fundação Pierre Verger)
Antonio Emilson A.
de Carvalho (Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania)
Aruane Garzedin
(Profa. Dra. da Faculdade de Arquitetura/UFBA)
Breno de Souza Pessoa (Técnico de Turismo do
Programa de Turismo Sustentável do Pangea)
Catarina S. Camargo
(Eng. Florestal)
Catherine Prost
(Profa. Dra. do Instituto de GeociÇencias/UFBA)
Cláudio Mascarenha
(GERMEN)
Coletivo
Socioambiental ORGANISMO
Cristina Maria Alves de Jesus (Condomínio do Empreendedor Cultural,
Salvador-BA)
Cristina
Maria Macêdo de Alencar (Profa. Dra. da UCSAL)
Edson Barreto de Almeida (Economista)
Elaine Aparecida Rodrigues (Fórum Pró Cidadania)
Elaine Aparecida Rodrigues (Fórum Pró Cidadania)
Eratóstenes de
Almeida Fraga Lima (Engo. Sanitarista, Ambientalista)
Evanildo P. Lima (EMBASA)
Everaldo Magalhães
Santos (Associação Comunitária Eldorado, Castro Alves-BA)
Fernando Martins
Carvalho (Prof. Titular da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA)
Fórum PRÓ
CIDADANIA
Grupo
Ambientalista da Bahia (GAMBÁ)
GERMEN-Grupo de Defesa e Promoção Social
Hamilton M. de Assis (APS-BA; DN-PSOL; Círculo
Palmarino Intersindical-BA)
Iara Brandão de
Oliveira (Profa. Dra., Departamento de Engenharia Ambiental-UFBA)
INSTITUTO BÚZIOS
Jacira Azevedo Cancio (Engª.
Sanitarista)
José Carlos
Zanetti (Economista, Assessor de Projetos da CESE)
Juca Ulhôa Cintra Paes da Cunha (Economista)
Jussara Rocha Nascimento
(Associação Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania)
Lafayette Dantas
da Luz (Prof. Dr. da Escola Politécnica/UFBA)
Lavínia Adriana Soares Bomsucesso (Professora)
Léa Corrêa Pinto
(Terrae Organização da Sociedade Civil e Movimento da Cidadania pelas Águas
Florestas e Montanhas Iguassu Iterei)
Luiz Roberto
Santos Moraes (Prof. Titular da Escola Politécnica/UFBA)
Marcele Silva do
Valle (Advogada, Mestranda em Desenvolvimento
Regional e Meio
Ambiente)
Marcelo Fernandes
Pereira (Eng.º Civil, Sindicalista)
Marco Antônio
Tomasoni (Prof. Dr. do Instituto de Geociências/UFBA)
Marcos Mendes
(Geólogo, Mestre em
Geologia Ambiental , Presidente
Estadual do PSOL
BA)
Marcus Góes Dantas
(Nutricionista do Hospital Aliança)
Maria Ângela Barreiros Cardoso (Arquiteta)
Maria Aparecida
Santos de Aguiar (Professora da UESC)
Maria Cristina Nascimento Vieira (Educadora
Ambiental - Rede de Educação Ambiental da Bahia)
Maria Elisabete
Pereira dos Santos (Prof. Dra. da Escola de Administração/UFBA)
Maria Lúcia
Politano Álvares (Engenheira Civil, MSc)
Maria Suzana
Moura (Profa. Dra. da Escola de Administração/UFBA)
Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira (Engenheira Civil, MSc)
Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira (Engenheira Civil, MSc)
Movimento da Cidadania pelas Águas Florestas e
Montanhas Iguassu Iterei
Nair Floresta
Andrade Neta
Organização Sócio-Ambientalista JOGUELIMPO
Paulo Romero
Guimarães Serrano de Andrade (Prof. Dr. do CETEC/UFRB)
Paulo Sergio Mettig Rocha (Diretor Acadêmico das FAMETTIG)
Patrícia Campos
Borja (Profa. Dra. da Escola Politécnica/UFBA)
Projeto Reh Nascer
Renato Paes Pegas
da Cunha (Engo. Mecânico, Ambientalista)
Rogério Horlle (Engenheiro, Conselheiro do COMAM
de Salvador, representando a AFA)
Sandra Bandeira Caria de Almeida ( Pedagoga)
Severino Soares Agra
Filho (Prof. Dr. da Escola Politécnica/UFBA)
Sílvio Roberto
Magalhães Orrico (Prof. Dr. de Saneamento da UEFS)
Sindicato de
Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado da Bahia (SINDAE)
Stella Maris Miranda
Sampaio
Tereza Moura (Profa. MSc. da UFBA)
TERRAE Organização
da Sociedade Civil
Thiago Guimarães Siqueira (Psicólogo Ambiental, Professor e Pesquisador)
Vanessa Britto
Silveira Cardoso (Engª Sanitarista e Ambiental e Conselheira da ABES/BA)
Waldeck Barretto D´Almeida(Psiquiatra e
Psicodramatista)
Yvonilde Medeiros
(Profa. Dra. da Escola Politécnica/UFBA)
Zoraide Vilasboas
(Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania)
Universidade Federal da Bahia - http://www.portal.ufba.br