4 Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) 2013 - Resíduos Sólidos.

Livro: Guerras Climáticas: Por que mataremos e seremos mortos no Século 21.

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26 novembro 2011

UM BARCO NO MEIO DO DESERTO:
O PASSADO E O FUTURO DA VIOLÊNCIA


"Um leve tinir atrás de mim fez com que virasse a cabeça. Seis negros caminhavam em fila, percorrendo penosamente a senda estreita, Eles avançavam eretos e devagar, balançando pequenos cestos cheios de terra nas cabeças, e o ruído acompanhava cada um de seus passos, (...) Eu podia con­tar-lhes as costelas, as articulações de seus membros lembra­vam os nós de uma corda; cada um deles trazia uma golilha, um anel de ferro soldado ao redor do pescoço, todos interli­gados por uma corrente frouxa, cujos elos excedentes pen­diam entre eles: era seu avanço compassado que fazia com que os elos tilintassem em um ritmo regular," Esta cena, des­crita por Joseph Conrad em seu romance Intitulado "O Cora­ção das Trevas", descrevia a época de maior florescência do colonialismo europeu, distando dos dias de hoje pouco mais de cem anos.

A brutalidade impiedosa, com a qual os primeiros países industrializados buscavam satisfazer sua fome de matérias-primas, de terras e de poder, e que deixou as suas marcas sobre os demais continentes, não é mais aceita pelas condições vigentes nos países ocidentais. A memória da exploração, da escra­vidão e do extermínio tornou-se a vítima de uma amnésia democrática de que estão afetados todos os estados do Ocidente, que não querem recordar que sua riqueza, do mesmo modo que seu poderio e progresso, foram construídos ao longo de uma história mortífera.

Em vez disso, o que se encontra é um orgulho pela descoberta, observância e defesa dos direitos humanos, pela prática do politicamente correto, pela par­ticipação em atividades humanitárias, sempre que em algum lugar da África ou da Ásia uma guerra civil, uma inundação ou uma seca compromete as necessi­dades fundamentais de sobrevivência dos povos. Determinam-se intervenções militares para ampliar os domínios da democracia, esquecendo que a maioria das democracias ocidentais foi edificada sobre uma história de guerras de fron­teiras, limpeza étnica e genocídios. Enquanto se reescrevia a história assimétri­ca dos séculos 19 e 20 dentro das condições de vida confortáveis e mesmo luxuosas das sociedades ocidentais, muitos habitantes de países do segundo e do terceiro-mundo mal suportam ouvir falar em tal história, porque foram dominados violentamente através dela: poucos dos países pós-coloniais foram conduzidos a uma soberania estável, muito menos a condições de bem-estar social; em muitas dessas nações, a história da espoliação continua a ser escrita sob diferentes disfarces e, em numerosas sociedades frágeis, não se encontram hoje sinais de progresso, mas sim de maior regressão.

O aquecimento progressivo do clima, um produto da fome inextinguível por mais energia fóssil dominante nas terras que primeiro se industrializaram, prejudica com maior rigor as regiões mais pobres do mundo; uma amarga iro­nia, que escarnece toda a esperança de que a vida se possa tornar algum dia mais justa. A capa deste livro mostra o vapor "Eduard Bohlen", antigamente encarregado de serviços postais, cujos destroços permanecem há quase cem anos recobertos pela areia do deserto da Namíbia. Ele desempenhou um pe­queno papel na história das grandes injustiças. A 5 de setembro de 1909, no meio do nevoeiro, o barco encalhou diante da costa do território que na época se denominava África do Sudoeste Alemã. Hoje em dia, os restos do navio se en­contram duzentos metros terra adentro; durante o século transcorrido, o de­serto se ampliou oceano adentro. O "Eduard Bohlen", que percorria desde 1891 a linha comercial oceânica da companhia Woermann, sediada em Hamburgo, regularmente transportava correspondência para a África do Sudoeste Alemã. Durante a guerra de extermínio travada pela administração colonial alemã contra as tribos Hereros e Namas, serviu ocasionalmente como navio negreiro.

Durante esta guerra genocida, travada no princípio do século 20, uma boa parte da população indígena da África do Sudoeste não foi exterminada; foi conduzida a campos de concentração ou levada para campos de trabalhos forçados, em que os prisioneiros de guerra eram vendidos como trabalhadores escravos. Bem no começo da guerra, a administração colonial alemã enviou a um comerciante sul-africano chamado Hewitt 282 prisioneiros, que foram alojados precariamente nos porões do "Eduard Bohlen", sem que lhes encon­trassem melhores possibilidades de acomodação, e com os quais não se sabia exatamente o que fazer, enquanto os Hereros não fossem completamente derrotados. Hewitt ficou entusiasmado com essa possibilidade e barganhou para que o preço fosse reduzido para 20 marcos por cabeça, com o argumento, considerado justo, de que os homens já estavam embarcados e ele não estava preparado para pagar pelas mercadorias despachadas o preço normal, além dos direitos alfandegários correspondentes.

Ele obteve os prisioneiros em con­dições mais favoráveis e o "Eduard Bohlen" partiu do porto de Swakopmund, a 20 de janeiro de 1904, em direção à Cidade do Cabo, na África do Sul, de onde os homens foram enviados para trabalhar nas minas.

Na verdade, foram os Hereros que iniciaram a guerra contra a administra­ção colonial alemã, durante a noite de 11 para 12 de janeiro de 1904, começan­do por destruir uma estrada de ferro e derrubar grande quantidade de postes telegráficos e continuando pelo massacre de surpresa de 123 trabalhadores alemães ainda adormecidos nas fazendas.Após algumas tentativas inúteis de apaziguamento da luta, o governo real de Berlim enviou o general-de-divisão Lothar von Trotha para comandar as tropas coloniais alemãs. Von Trotha ado­tou desde o início o conceito de uma guerra de extermínio, de acordo com o qual ele não procurou simplesmente vencer os Hereros por meios militares, mas os impeliu para o extermínio no deserto de Omaheke, onde ocupou todas as nascentes de água, provocando pura e simplesmente a morte de seus adver­sários pela sede. Esta estratégia foi tão bem-sucedida quanto fora cruel; foi re­latado que os sedentos cortavam as gargantas de seus animais para beber-lheso sangue e que finalmente esmagavam seus intestinos para deles retirar os úl­timos restos de umidade. Não obstante, acabaram morrendo.

Mas a guerra prosseguiu, mesmo depois de os Hereros terem sido aniqui­lados; determinou-se que os Namas, uma outra etnia, deveriam ser desarma­dos e subjugados enquanto as tropas alemãs ainda se encontrassem no território. Diferentemente dos Hereros, os Namas não ofereceram combate aberto, mas se limitaram a um combate de guerrilhas, que se tornou um grave problema para as tropas coloniais, que adotaram, por sua vez, uma estratégia diferente, a qual logo seria imitada com frequência ao longo do mortífero sé­culo 20: para retirar dos guerreiros os recursos sobre os quais se apoiavam, os alemães assassinaram as mulheres e filhos dos Namas ou os encerraram em campos de concentração.

A violência foi realizada sob a pressão das circunstâncias e produziu suas consequências. Estas permaneceram, originaram novos meios de aplicação da violência, que se foram tornando tanto mais amplos quanto mais eficientes se demonstravam. Isto porque a violência é inovadora: ela gera novos meios e encontra novas proporções. As tropas coloniais alemãs, não obstante, tiveram de combater os Namas durante mais de três anos. Além disso, nem todos os campos de concentração permaneceram sob controle do governo; também empresários privados, como a empresa de linhas marítimas Woermann, esta­beleceram seus próprios campos de trabalhos forçados.

Esta guerra de extermínio não foi somente um exemplo da impiedade da violência colonial, como um modelo para os genocídios futuros - por meio de seu propósito de total eliminação, cumprido pelo internamento nos campos estabelecidos, que significavam uma estratégia de extermínio por meio dos trabalhos forçados. Todos já ouvimos contar a história de suas consequências; o Departamento I dos escritórios do Estado-Maior, encarregado de redigir a história da guerra, escreveu orgulhosamente, em 1907, que nenhum esforço, nenhuma privação foram poupados "para que os inimigos fossem privados dos últimos vestígios de sua capacidade de resistência, pois metade deles foi morta nas regiões desérticas pela captura progressiva de todos os poços de água, até que, finalmente, sem mais energia, eles fossem sacrificados pela na­tureza de sua própria terra. 

O deserto sem água de Omaheke completou o que as armas alemãs haviam iniciado: a aniquilação da tribo dos Hereros." Isto se passou há cem anos; desde então, as formas de violência se modificaram, nem tanto em sua forma e aspecto, mas na maneira segundo a qual são refe­ridas. O Ocidente não costuma mais, salvo em casos excepcionais, empregar violência direta contra outros estados; as guerras são hoje empreendimentos realizados por longas cadeias de ação e numerosos atores, por meio dos quais a violência é delegada e se torna informe e invisível. As guerras do século 21 são pós-heróicas e apresentadas como sendo conduzidas de má-vontade pelas nações que as empreendem. E no que se refere ao orgulho nacional por ter sido alcançada a aniquilação de tribos selvagens... isto é coisa que, desde o holocausto dos judeus, se tornou impossível mencionar.

O "Eduard Bohlen" se enferruja hoje, semi-enterrado na areia do deserto da Namíbia e talvez tenha chegado o momento em que o modelo completo das sociedades ocidentais, com todas as suas conquistas de democracia, di­reitos humanos, liberdade, liberalidade, arte e cultura, sob o ponto de vista de um historiador do século 22, se demonstre tão irremediavelmente deslo­cado como nos parece hoje a visão do velho navio negreiro nadando no meio do deserto, um corpo estranho peculiar que dá a impressão de se ter originado em outro mundo. Isso no caso de ainda haver historiadores quan­do chegar o século 22.

Nota do Autor:

Esse é apenas um trecho do livro. Eu ainda não terminei de ler, mais é um livro muito interessante. Eu recomendo. Se gostou e deseja obter o livro, deixe o seu e-mail que enviarei.

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Franklin Oliveira

Técnico em Meio Ambiente, Gestor Ambiental, Consultor Ambiental Autônomo, Auditor Interno de Sistema de Gestão Integrado nas normas ISO 9001:2008, ISO 14001:2004 e OHSAS 18001:2007, atua na elaboração, implementação e acompanhamento de projetos e programas ambientais voltados à sustentabilidade, educação ambiental, impactos ambientais, gestão de riscos ambientais e gerenciamento de resíduos sólidos.

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